terça-feira, dezembro 20, 2005,11:42 da manhã
Água Ardente...
Aproveito a minha estadia neste canto para lhes segredar mais uma das minhas.
Aconteceu-me este fim de semana.
No sítio onde estava choveu e choveu bem. Andava eu todo estrambelhado, como costume, a vadiar pelas ruas só pelo prazer de vadiar, quando de repente o tipo lá de cima resolveu abrir a torneira da água fria.
Corri que nem um desalmado, e enfiei-me na primeira porta aberta que encontrei.
O espaço era grande, com umas colunas imponentes nas laterais que acabavam em abóbodas. As paredes, lá em cima tinham uns vidros pintados com uns tipos e umas tipas, que de comum tinham um círculo na carola em amarelo. Pensei:
"Os gajos que pintaram isto enjorcavam droga comó caraças".
Enfim...
Continuei a olhar à minha volta e vi que estavam espalhados ordeiramente à esquerda e à direita uma data de bancos corridos com muita malta, quase toda acima dos 65 anos, polvilhados aqui e ali por umas criancitas e uns e umas quarentões (onas).
Ao fundo do corredor formado pelas banquetas, três degraus, uma mesa e duas cadeiras dispostas lateralmente.
Na parede por trás deste cenário, uma figura que eu já vi num porradão de lugares, e que ainda não percebi bem qual é a fama deste gajo, mas lá estava ele representado, assim com os braços abertos e os pés juntinhos encostado a uma madeira em forma de cruz.
Sentei-me.
De repente vejo a malta toda a levantar-se.
"Mesmo agora cheguei e já vai tudo embora?" pensei.
Uma velhota que estava ao meu lado olhou-me de soslaio com um ar de reprovação ,pior do que a minha professora de Matemática do 11º ano, quando eu mandava uma boca mais foleira na aula.
Parecia que tinha uma mola nas nádegas e saltei que nem um canguru e ali fiquei firme.
Entrou um gajo com uma túnica branca, acompanhado de dois putos e foi por-se em frente à mesa de joelho no chão e de costas para o maralhal.
Bom, pensei eu, este deve ser o Artista. Entrei numa sala de espectáculos e à borla. Vou ficar por aqui a ver se isto é alguma coisa de jeito e esperar que pare a chuva.
Ninguém bateu palmas. Estranho!
De repente, começo a ouvir uns acordes em órgão que não sei bem de onde vinham, mas parecia-me que o John Lord dos Deep Purple estava ali para tocar prá malta, muito embora a sucessão de acordes me fizesse lembrar mais o Quim Barreiros mas em mid tempo.
O tipo da túnica , lá se virou para o povo levantou os braços como o gajo da figura atrás dele e começou a dizer qualquer coisa que não percebi, mas devia estar a falar com a malta , pois o pessoal todo ao mesmo tempo respondeu-lhe. Quando se calaram eu também retribuí a amabilidade dizendo:
"Boa tarde para si também."
Não percebi bem porque é que o pessoal ali á volta olhou para mim, como a velhota de há bocado. Não são nada simpáticos estes velhotes.
Lá se voltaram para o Artista e ele começou a dizer umas coisas que eu não entendia, mas o pessoal todo, respondia-lhe à letra.
Estavamos nisto para aí há meia hora, com o Artista a fazer uns sinais com as mãos e o pessoal a imitá-lo, o Artista a dizer não sei o quê e o pessoal a responder-lhe à letra, ora em pé, ora sentados, ora de joelhos, quando de repente, começam a aparecer pelo corredor central e pelos corredores laterais, uma catrefada de putos com uns saquinhos na mão.
Começo a ver o pessoal todo a sacar de moedas e a depositá-las nos saquitos dos miúdos, e então percebi.
"Querias espectáculo à borla não era? Vai... amocha, paga! Por isso é que não estava ninguém à porta a cobrar. Um tipo entra, e depois a meio do espectáculo já não tem por onde fugir e arrota o carcanhol. Boa táctica."
Quando o puto chegou ao pé de mim perguntei:
"Quanto é?"
Não sei que bicho mordeu às pessoas que foram ali, que voltaram a trucidar-me com os olhos, e a velhota que estava ao pé de mim disse-me:
"Dê o que quiser, mas faça-o de boa vontade"
Meti a mão ao bolso e saquei duas moedas de 5 cêntimos e entreguei-as ao miúdo.
Olharam para mim com um ar reprovador, o que me obrigou a responder-lhes:
"O que querem?? Querem mais? Tabelem os preços. Este é de boa vontade!"
Viraram-se todos de costas para mim, enquanto os putos desapareciam do mesmo modo misterioso como apareceram.
De repente vejo o Artista com uma bolacha nas mãos sobre a cabeça, dar-lhe uma dentada e de seguida a pegar num cálice e emborcar.
Pelo menos o gajo é asseado porque limpou as beiças a um guardanapo que antes estava a cobrir o cálice.
O pessoal todo começa a dirigir-se á mesa em fila pirilau, enquanto o John Lord mandava mais umas organadas e pensei:
"Deve ser a hora do lanche!"
Fui atrás deles. Tenho que vos dizer uma coisa.
Grandes fuinhas são estes gajos . Quer dizer, o Artista comeu uma bolacha das grandes e quando chega a nossa vez dão-nos uma bolachita das pequenas.
Quando me deram a bolachita, apontei para o cálice e fiz o gesto que queria beber.
O Artista abanou a cabeça negando o pedido, mas como o raio da bolacha se me pegou ao céu da boca, eu expliquei-lhe por gestos que estava engasgado e que precisava de beber qualquer coisa. Nem com uma nota de 10 euros o gajo me deu água.
Lá fui empurrado pela terceira idade até ao meu lugar e isto tudo em silêncio porque parece que a malta só fala quando o Artista o faz, ou deixa.
Lá continuámos mais uns minutos, ora de pé, ora de joelhos, ora sentados até que finalmente ouvi o Artista dizer:
"Vão em paz e que Deus os acompanhe"
Começou tudo a sair e eu fiquei ali à espera que esse Deus me viesse acompanhar.
Estava sózinho naquele espaço para aí há uma meia hora quando olhei para a porta atrás de mim e reparei que já não chovia.
Levantei-me, agarrei num pedaço de papel higiénico, que trago sempre comigo, não vá necessitar, assim numa urgência, e deixei-lhe um recado que colei com cuspo nas costas do banco onde estava.
"Senhor Deus, eu esperei por si para me acompanhar como recomendou o Artista, mas como ainda não apareceu e a chuva já parou, tenho que ir à minha vida. Acompanhe outro no meu lugar que eu não lhe levo a mal.
Muito Obrigado!"
 
Aceso por Renato Ribeiro
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terça-feira, dezembro 13, 2005,11:14 da manhã
Ele vem aí...
Olhou à sua volta e estava escuro que nem breu.
A única luminosidade que se vislumbrava na ponta do seu nariz e nos dedos gordos encostados à parede eram uns pequenos raios de luar que o escolheram para se pousarem nele suavemente.
Estava frio.
Naquela tarde de Dezembro a neve não parou de cair.
Olhava para baixo e nada via. O cintilar de algumas estrelas que bem conhecia, ondulava sobre a sua cabeça, como que a piscar-lhe o olho com ar de troça.
Pensava rezingão:
"Como é que me meti nisto? Porque raio não liguei aos panfletos dos ginásios que me deixaram no correio? Agora, de certeza que não estava a passar por este embaraço."
Uma gota de suor deslizou suavemente pelo rosto perdendo-se na sua farta barba.
De seguida outra e outra ainda.
Tentou mais uma vez, fincando os pés fortemente contra a parede e empurrando com as costas, tentando esgueirar-se da armadilha onde se encontrava...mas nada... nem progrediu um centimetro só que fosse.
Estava capaz de matar alguém que lhe dissesse que o tamanho não importava. Ai não, que não importa.
Faz toda a diferença.
O que lhe valia é que os pés estavam estranhamente mais quentes agora. O cheiro leve de borracha queimada não augurava nada de bom.
Lançou o olhar para cima e viu a condensação de respiração que se soltava do nariz do seu companheiro inseparavel de aventura, e murmurou:
" Rudolfo!! Rudolfo! Vê se fazes qualquer coisa de útil, em vez de estares aí com esse ar de troça!"
O Rudolfo despareceu do seu campo de visão.
Praguejou em surdina. O tempo estava a correr e ele não estava em condições de completar a missão que lhe fora confiada.
Os créditos que acumulou ao longo dos anos estavam a esvair-se.
O dia nasceu...
Ouviu vozes que vinham de baixo.
Gritos de alegria, o som de papel a ser rasgado, as gargalhadas de crianças , até que ouviu uma vozinha esbafurida:
Pai... Mãe... o que fazem estas botas penduradas no meio da chaminé??
Fora descoberto... Estava tudo estragado!!!
Arruinado!!!
Sentiu um puxão forte nos pés e sentiu-se cair desamparado.
De repente...
Bato com a cabeça na mesa de cabeceira e ... acordo!!!!
Desato a rir que nem um maluco...
Afinal o Pai Natal existe!!!!
 
Aceso por Renato Ribeiro
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sexta-feira, dezembro 02, 2005,11:52 da manhã
Na Tal... Ceia
Começo por pedir perdão
Se hoje apareço de forma diferente
Quero deixar falar a emoção
E mostrar-vos o que me vai na mente

Vem aí uma época peculiar
Todos os sentimentos são postos a nú
Hoje decidi abordar
A triste sina do perú

Trocam-se prendas e sorrisos
Votos de paz e alegria
Arreganham-se à noite os sisos
Para atacar a iguaria

Juntam-se à volta da mesa
Relembrando a ceia derradeira
Sem uma ponta de tristeza
Atacam o trabalho da cozinheira

A ave bem tentou fugir
Mas depressa foi apanhada
Agora toca a deglutir
A sua carne bem assada

Não sei o que vos vai na mente
Mas a mim faz-me confusão
Uma ave cheia de aguardente
Não fará mal à digestão?

Por isso desde já proclamo
E espero que não me levem a mal
Este é o último ano
que vou comer perú no Natal
 
Aceso por Renato Ribeiro
Permalink ¤ 7 Achas para a Fogueira
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